Um pouco sobre a história do RSS

Quando o consumo de conteúdo não passava pelo filtro das redes sociais.

Imagem de uma máquina de escrever com uma folha com o título Imagem por Markus Winkler

Veja se este cenário é familiar para você: existe um site que você gosta; você o acessa todo dia para ver o que tem de novidade; você também gosta de outro site e também o acessa todo dia para ver se tem conteúdo novo; você também gosta de outros 20 sites e blogs, e acessa todos eles diariamente para ver as novidades.

Nessas idas e vindas você deve ter notado que nem todos esses sites atualizam o conteúdo com a mesma frequência que você os acessa.

Não seria melhor se você fosse avisado quando publicarem algo novo? Ou ainda melhor se quando publicarem algo novo já te enviarem o conteúdo? Assim você não precisaria nem sequer acessar essa sua lista de sites todo dia, pois quando algo novo surgir, você não somente vai ser avisado, como também já receberá o conteúdo para ler.

Essa dinâmica de receber o conteúdo sem ter que acessar o site é possibilitada por meio dos feeds RSS.

Como este artigo está um pouco longo, eu dividi em seções para facilitar a leitura:

O que é um feed RSS?

Hoje não é tão frequente como já foi há um tempo na Web, mas era comum acessarmos os sites e nos depararmos com um botão, uma imagem ou uma chamada pedindo para assinar o feed, muitas vezes acompanhada de um ícone igual a esse .

O ato de assinar o feed significava que você poderia consumir o conteúdo publicado naquele site por meio de alguma plataforma externa, como os agregadores de feed ou leitores rss.

Um feed RSS nada mais é que um arquivo escrito em uma linguagem estruturada com marcação específica, ou seja, uma linguagem igual à HTML, mas com um conjunto de tags diferentes. No caso dos feeds, XML é a linguagem utilizada.

Um blog, por exemplo, possui título, descrição, autora ou autor e uma sequência de artigos, ou posts. Esse exemplo pode ser transformado em um feed de maneira relativamente simples: esse conjunto de informações deverá ser escrito na linguagem XML utilizando uma marcação específica, a fim de que o arquivo possa ser lido por uma outra aplicação - nesse caso, por um agregador de feed.

Na estrutura do arquivo RSS, o site onde os artigos são publicados é definido como o <channel>, que possui <title>, <description>, <link>, assim como um arquivo HTML. Enquanto os artigos, ou posts, publicados nesse “canal”, são definidos como <item>, e também possuem informações como título, descrição (conteúdo) e link.

Este é um exemplo de um feed RSS escrito em XML:

<rss version="2.0">
  <channel>
    <title>Newton Calegari</title>
    <link>https://newtoncalegari.com.br/</link>
    <description>...</description>
    <language>pt-br</language>
    <item>
      <title>Um pouco da história do RSS</title>
      <link>https//newtoncalegari.com.br/post/um-pouco-sobre-rss/</link>
      <description>Você gosta de um site. Você acessa todo dia para ver o que tem de novidade. Você gosta de outro site. Acessa todo dia para ver se tem conteúdo novo. Você gosta de 50 sites, blogs, portais de notícias, e acessa todo dia para ver as novidades. Nessas idas e vindas nesses sites você pode notar que nem todos atualizam com a mesma frequência que você acessa...</description>
    </item>
    <item>
      <title>Um novo blog</title>
      <link>https://newtoncalegari.com.br/um-novo-blog/</link>
      <description>Venho utilizando o Github para hospedar arquivos estáticos há alguns anos e não tenho nada do que reclamar. É bem simples, basta adicionar ao repositório todos os arquivos que devem ser disponibilizados na Web e pronto. Bem fácil...
      </description>
    </item>
  </channel>
</rss>

Toda vez que um artigo novo é publicado, este arquivo RSS é atualizado e um <item> novo é adicionado a ele.

Quando você assina um feed, a URL para o arquivo RSS do site é salva no seu agregador de feeds favorito e este, por sua vez, faz requisições HTTP periódicas para verificar se há alguma atualização ou algum artigo novo para leitura.

Como posso ler RSS?

Os feeds RSS podem ser lidos por meio dos agregadores de feeds e, embora já tenha existido mais, ainda há alguns leitores disponíveis.

Atualmente eu utilizo o NewsBlur, mas existem outros que também são ótimos, como o feedly, o The Old Reader e o NetNewsWire - este último é não possui versão Web, apenas versões para Mac e iOS.

Por bastante tempo busquei um substituo a altura para o Google Reader, o que eu considerava o melhor leitor de RSS que existia (antes de usar o Google Reader em 2006, eu utilizei o Bloglines).

Interface do Google Reader Interface do Google Reader em 2007, 6 anos antes de ser descontinuado pela Google 😔

A leitura de artigos por meio dos feeds te proporciona uma experiência de consumir conteúdo sem intermediários filtrando o o que você deve ou não ler. É você quem escolhe quais canais/sites/blogs quer acompanhar e ter acesso direto ao conteúdo deles.

Novos modos de consumir conteúdo e a queda no uso de RSS

Existem algumas hipóteses para a redução do consumo e disponibilização dos feeds, entre elas estão “a morte do Google Reader”, o fim do suporte nativo dos navegadores, como foi o caso no Firefox, e a ascenção das ferramentas de redes sociais como plataformas de acesso à conteúdo.

O interesse por RSS caiu bastante ao longo dos anos e esse fato foi utilizado como justificativa para o fim de algumas alternativas, como o fim do Google Reader. Mas ainda assim não é o suficiente para explicar essa queda no interesse e no uso de fontes RSS.

Gráfico com interesse por RSS no Google Trends O interesse por RSS caiu porque não há incentivo e suporte, ou não há incentivo e suporte porque o interesse caiu? 🥚 🐔

Talvez a mudança mais impactante tenha sido a ascenção das redes sociais como plataformas de consumo de conteúdo. A partir do momento que os esforços são voltados para melhorar indicadores de tempo de uso e permanência dentro de uma plataforma, tudo se encaminha para a criação de silos e jardins murados na Web (veja mais sobre walled gardens nestes links).

Os feeds RSS são um caminho oposto à centralização gerada por tais plataformas fechadas, pois tanto o protocolo quanto o meio que os artigos e notícias chegarão até você são totalmente transparentes. Não existe uma caixa preta ou algum modelo para indicar o que a plataforma acredita ser melhor para você. É você quem define de quais sites/blogs vai assinar os feeds RSS.

Hoje é ainda mais importante olharmos com atenção para os feeds RSS, pois são uma forma de consumo de conteúdo descentralizado.

Apesar de esses fatores terem afetado o atual cenário dos feeds RSS, há outros pontos que poderiam ser revistos, como a própria evolução da tecnologia como um produto.

O ambiente em que essa tecnologia surgiu e evoluiu foi naturalmente um pouco restritivo. Não foi pensado como um produto para o público em geral. É claro que o protocolo foi criado para chegar ao alcance de todos, mas o processo de entrega desse “produto” poderia ter sido melhor.

Pessoas com algum conhecimento específico (em web, linux, internet) eram as que mais utilizavam feeds.

Imagine a seguinte situação: um site possui um botão escrito “assine o RSS” e, por meio dele, espera-se que a pessoa acessando-o já possua acesso a um agregador de feeds, conheça sobre RSS e também saiba que para “assinar” não precisa “pagar”.

Contrastando com o cenário anterior, pense em uma plataforma em que esta mesma pessoa tem um perfil, tem contato com amigos e família e, quando encontra alguma página interessante, clica em “curtir” e assim passa a receber o conteúdo diretamente na sua timeline.

Em qual das duas alternativas você acha que existe uma menor barreira de entrada? A segunda opção possui uma qualidade que chamamos de frictionless - em que o processo para se fazer algo não possui restrições, é realizado de maneira simples e sem atritos.

Para se ter uma ideia do tipo de atrito que estamos falando, é só lembrar da época em que os sites de notícias, como o The New York Times, apontavam para os feeds RSS com um botão escrito XML. “Mas o que é esse tal de xml?”

Falando em botões, acho legal comentar sobre o contexto em que surgiu a atual imagem do RSS.

O ícone do RSS:

Voltando para 2004, época em que os sites mostravam os mais diversos botões para indicar o caminho para assinar os feeds, alguns navegadores já indicavam a disponibilidade de feeds pelos sites. O Firefox mostrava na barra de status um pequeno ícone laranja com o texto RSS.

Ícone com o termo RSS na barra de status do Firefox em 2004

As resoluções mais utilizadas na época não favoreciam a qualidade como as telas de retina que temos hoje, o que possivelmente foi um dos motivos de gerar uma hilária confusão: parecia estar escrito ASS ao invés de RSS (ass significa bunda em inglês).

Essa confusão, somada ao fato de que a imagem na barra de status era muito grande e muito geeky, fizeram com que o time da Mozilla viesse a criar o ícone que mais tarde foi adotado como padrão para RSS Feeds.

Imagem mostrando o registro da mudança do ícone do RSS Momento do nascimento do ícone do RSS

Um tempo depois, a Microsoft, que estava trabalhando no lançamento de uma funcionalidade de leitura de feeds no Internet Explorer 7, apresentou algumas sugestões para utilizar como identificação de RSS.

Opções de ícones apresentadas pela Microsoft para adotar no Internet Explorer 7. Nenhuma delas foi escolhida. Opções apresentadas pela Microsoft para a escolha do ícone do RSS.
Ainda bem que nenhuma delas foi a escolhida.

O “processo de padronização” desse símbolo aconteceu naturalmente quando time que estava trabalhando no RSS do IE7 entrou em contato com a Mozilla para adotar o mesmo ícone utilizado no Firefox. A partir daí, os dois principais navegadores do mercado na época definiram o mesmo ícone. O que não demorou para que os outros serviços passassem a utilizá-lo também.

Apesar de ser um ícone que não apresenta nenhuma extensão ou termo técnico, ainda não seria suficiente para explicar e tornar claro o significado dos feeds.

Existe um contexto implícito que deveria ser explicado claramente para qualquer pessoa. Não sobre o funcionamento, mas sobre como alguém poderia se beneficiar da tecnologia.

O ícone que representa o RSS deveria ser tratado como uma marca e um estudo da semiótica desta marca poderia ajudar na comunicação do seu entendimento.

O que me fez voltar a ler feeds

Talvez o medo de ficar de fora - ou a famosa FOMO (Fear of Missing Out) - tenha sido a causa responsável para que eu assinasse milhares de newsletters por aí.

Quase todo site que você acessa hoje em dia tem um call to action que te convida a assinar a newsletter e receber conteúdos novos direto no seu e-mail. O que é super conveniente qundo você recebe as atualizações esporadicamente, mas o que pode se tornar um pesadelo quando você assina dezenas de listas.

“Nós prometemos não te enviar spam”. E de fato essa promessa foi cumprida por grande parte das listas que assinei. Mas a partir do momento que as novidades de todas as listas chegam de uma vez, soa como spam.

“Medium daily updates”.
Novos artigos no meu blog.
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Resumo da semana.
O que foi falado nesta semana.
Tudo sobre {insira o assunto aqui} direto no seu e-mail.

Foi o que me levou a buscar uma solução que me permitisse assinar as newsletters como assino um feed RSS e assim ler direto no NewsBlur (ou no feedly) sem me preocupar em poluir a caixa de entrada de e-mails.

A alternativa encontrada foi uma solução open-source desenvolvida pelo Leandro Facchinetti chamada Kill the Newsletter.

O funcionamento é bem simples: basta dar um nome para a newsletter que você vai assinar e a aplicação vai gerar um e-mail para ser utilizado na assinatura da newsletter e uma URL para que você assine o feed e, dessa forma, todas as atualizações chegarão diretamente no seu gerenciador de feeds favorito.

Oportunidade para pensar em soluções inclusivas

Conforme comentei anteriormente, os termos “assine o feed”, “assine o RSS” e até mesmo os ícones utilizados, podem não ter facilitado o entendimento e o benefício da tecnologia por parte das pessoas.

Então, ao analisar a evolução dos feeds RSS podemos aprender algumas lições, sendo que a principal delas é esta: devemos criar formas de lançar soluções mais inclusivas, diminuindo as barreiras de entrada e permitindo que mais pessoas utilizem e obtenham o valor gerado por essas soluções.


Espero que você tenha compreendido um pouco sobre a história dos feeds RSS e o papel importante que possuem na Web aberta. Caso tenha alguma dúvida ou sugestão, fique à vontade em me mandar mensagem no Twitter @newtoncalegari.


Newton Calegari
💻 Product Manager | 📚 CS & Design Professor
@newtoncalegari